A indústria não quer matar as pessoas
Uma história pessoal e 5 respostas para quem quer emagrecer
Descobertas é uma newsletter sobre rótulos, inspirações, dicas e reflexões. Hoje vamos focar nas dicas e reflexões que podem virar inspirações.
Uma das coisas que eu mais faço no Instagram é responder as dúvidas que as pessoas enviam pela caixinha de perguntas. Os temas mais frequentes são sobre o uso da estratégia low carb para emagrecimento, dicas práticas, ingredientes e hábitos. Mas também falamos de assuntos como a minha experiência na transição de carreira, a indústria de alimentos entre outros temas aleatórios.
Como eu gosto de responder a essas perguntas e as pessoas me contam que gostam de ler, nesta edição das Descobertas trago minhas respostas a uma seleção de dúvidas frequentes:
Qual a melhor estratégia pra retomar a dieta após exagerar no fim de semana?
Estou no ápice da minha insatisfação comigo mesma e 10Kg a mais, como não desistir?
Qual o mínimo de proteína diária que um adulto deve consumir?
Em dias corridos, você leva algo pra matar a fome se não tiver tempo de almoçar?
Perco peso, mas volto a consumir carboidrato e engordo, o que devo fazer?
Como você conseguia trabalhar numa indústria que engana os consumidores?
Por que você saiu da indústria de alimentos?
Mas antes, tenho uma pequena história pra contar
Anos atrás, tive uma conversa com uma colega de trabalho — daquelas que a gente tem na hora do almoço, pra descontrair no intervalo.
Estávamos falando sobre procedimentos estéticos corporais, algo em que eu gastava dinheiro aos vinte e poucos anos, quando tinha preguiça de academia e procurava atalhos para emagrecer. Na época dessa conversa eu já tinha mais de trinta anos e não fazia mais aqueles tratamentos, então contei para ela a minha experiência:
“Eu já gastei algum dinheiro em clínicas de estética pra tirar a celulite e gordura localizada. Na verdade, joguei dinheiro fora. Não sei se os que eu fiz eram picaretagem, se eu sabotava os resultados ou se só pra mim que nada funcionou. O que de fato deu resultado foi mudar radicalmente minha alimentação e aceitar que eu precisava perder o medo da academia. Passei a comprar comida apenas na feira e no açougue. Reorganizei meu orçamento. Parei de comer fora toda hora. Com a economia, contratei um personal trainer. Um ano depois, o resultado começou a aparecer - e minha composição corporal segue melhorando até hoje, apesar da passagem do tempo.”
Na mesma semana, minha amiga contratou um personal e começou a se exercitar na academia do seu prédio.
Cerca de um ano depois, ela me disse o seguinte:
“Aquela conversa que tivemos ano passado foi muito boa. Hoje vejo que eu estava dando desculpas a mim mesma e me iludindo com a promessas milagrosas, mas que bom que eu comecei a me exercitar e mudei minha alimentação. Agora estou melhor do que antes de engravidar! Obrigada por ter me dito aquilo naquele dia.”
Eu nem lembrava direito da conversa, mas como ela estava aberta a ouvir naquele momento, foi o que trouxe a virada de chave.
O momento em que recebemos a informação importa tanto quanto o seu conteúdo. Talvez você esteja lendo isso agora por alguma razão. Talvez hoje seja o dia da sua virada.
Perguntas e respostas
Vamos pensar fora do contexto da alimentação.
Se você gasta demais no shopping em um momento de descontrole, qual a melhor estratégia pra sair do vermelho? Economizar nos dias e semanas seguintes pra recuperar o prejuízo, até pagar a conta.
O mesmo vale pra dieta. O perigo está em emendar uma exceção na outra, aumentando a “dívida“. Por isso, o quanto antes você perceber que exagerou e retomar o controle, melhor será. É a mesma lógica.
Eu sempre sugiro recomeçar com refeições na sua forma mais simples possível (sem muitas receitas), compostas por bicho e planta — de forma resumida, são os que encontramos na feira, peixaria e açougue.
Eu sinto a sua dor, pois passei por isso muitas vezes. É horrível. Mas gosto de pensar que no fundo do poço existe uma mola: de lá, só pra cima. Foi justamente essa dor e esse desconforto que me fizeram mudar, porque chegou um momento que não aguentava mais fracassar. Espero que você encontre forças pra levantar e lutar pela sua saúde, porque vale muito a pena. Não tenha vergonha de buscar ajuda. Se achar válido, consulte os meus destaques no Instagram em que falo sobre mim — são anos registrando os altos e baixos desse processo, pois não basta fazer uma dieta com data pra acabar. O sucesso da manutenção do peso depende da vigilância.
O sucesso da manutenção do peso depende da vigilância.
O mínimo necessário para evitar deficiência (RDA) é 0,8g/Kg, mas evitar deficiência é diferente do valor ideal. O ideal é que um nutricionista faça esse cálculo após uma avaliação, mas é possível ter uma estimativa a partir destes dados:
Para sedentários, uma boa referência é 1,2 a 1,8g de proteína por Kg de peso ideal*, que não é necessariamente o peso atual nem o desejado, é aquele calculado pelos profissionais de saúde.
Pessoa ativa para manutenção de massa magra: 1,4 a 2g/Kg de peso ideal.
Pessoa ativa buscando hipertrofia: 1,6 a 2,4g/Kg de peso ideal.
*Ensinamos a fazer essa conta da ingestão de proteínas no desafio Proteína na Medida que realizamos com os assinantes das Descobertas (neste link tem um resumo da abertura e o detalhamento do cálculo).
No início eu sempre levava, era a rainha dos lanchinhos (escrevi sobre isso no desafio Volta de Férias que fizemos por aqui). Hoje em dia até esqueço, desliguei totalmente dos lanches. Sei que não vai acontecer nada grave se sentir um pouco de fome por algumas horas. Sentir fome é diferente de passar fome. Precisamos aprender a sentir e reconhecer esse sinal do corpo em vez de ficar comendo o tempo todo por medo de que ela chegue. Mas isso é resultado de um processo, é treino.
Sentir fome é diferente de passar fome.
Mas você nunca come lanches?
Só quando não consigo fazer as refeições principais da forma correta (por exemplo, em viagens, quando estou com pressa, ou porque não estava com fome no café da manhã ou almoço e não comi direito, aí essa fome aparece fora de hora).
Mas não é natural comer o tempo todo! Isso é uma invenção recente criada e sustentada pela indústria de snacks (na qual trabalhei por muitos anos, diga-se de passagem). Precisamos parar de normalizar abrir pacotes e comer o tempo todo, isso não deveria ser o normal. E falo isso numa boa, porque já fui a pessoa que comia de hora em hora. Se você sente essa necessidade é porque tem algo muito errado com a base da sua alimentação, que costuma ser falta de proteína.
Não se trata de demonizar os lanches. Eles podem existir e ser úteis pontualmente, desde que saibamos escolher boas opções. E as melhores serão sempre comida de verdade, seguidas por bons industrializados que indico aqui nas Descobertas.
Precisamos parar de normalizar o ato de abrir pacotes e comer o tempo todo, isso não deveria ser o normal.
Isso não é algo que acontece apenas com você, mas uma situação frequente que tem explicação técnica: o set point. Se tiver interesse em entender melhor esse processo, o Dr Souto publicou esta semana um texto esclarecedor sobre esse tema — está disponível aqui.
Respondendo à sua pergunta: “o que devo fazer?”
Penso que não existe um único caminho, mas vou estruturar essa resposta pensando no que eu faria, ok?
A primeira dica é entender por que isso acontece e em que situação, o que desencadeia o processo. Será que são fatores internos (emocionais) ou externos (relacionados ao ambiente)?
Em que situações isso acontece?
Quais alimentos você volta a consumir? Ultraprocessados?
A segunda dica é rever como está seu ambiente e o que pode controlar. Planejamento é essencial. Faça este exercício quando estiver sem fome:
O que tem nos armários e na geladeira?
Como você pode melhorar a qualidade nutricional dos alimentos a que tem fácil acesso?
A terceira dica é avaliar como ter mais prazer ao se alimentar, pois isso influencia na continuidade da dieta. Ninguém consegue manter uma rotina da qual não gosta.
Você gosta das comidas saudáveis que deveria comer?
Sabe preparar receitas básicas ou onde encontrar soluções prontas?
A quarta dica é buscar ajuda médica de um profissional com experiência nisso, pois existem casos de indicação medicamentosa nesse processo. Um nutricionista também pode avaliar como está sua dieta (por exemplo: será que está ingerindo proteína na quantidade certa? E calorias?)
Ainda existe a possibilidade de testar outras abordagens, porque low carb não é a única estratégia que funciona pra emagrecer — apesar de ser a que produz maior saciedade.
As próximas perguntas profissionais também têm um fundo pessoal
Eu nunca trabalhei em indústria que "engana os consumidores" (ao menos não de propósito, já que ninguém come Bis, 5 Star ou Sonho de Valsa com a ilusão de que vai emagrecer ou ficar mais saudável).
Enganar o consumidor não é o objetivo das empresas sérias, não é assim que funciona. O objetivo das indústrias é de conhecimento público: gerar lucro através da venda de produtos relevantes para o mercado — o que varia é como cada uma delas atinge esse resultado. Nada errado nisso, afinal, não se trata de filantropia, mas de negócios.
Para a indústria, seria impossível esconder dos seus milhares de funcionários uma meta de “enganação”.
Ao formular os produtos, a indústria de alimentos (séria, que tem uma reputação a zelar) considera a legislação vigente e baseia suas decisões de lançamento em análises do mercado. Se existe demanda, haverá um produto para endereçá-la.
Ciente disso, eu cumpria meu papel como profissional nesse negócio, que era desenvolver os melhores produtos possíveis para aqueles mercados, de acordo com as normas vigentes. Minhas preferências pessoais de consumo eram irrelevantes nesse processo centrado no consumidor, por isso aprendi a separar as coisas.
Por fim, considero importante esclarecer que a indústria não quer “matar as pessoas”, como alguns dizem por aí. A indústria só quer vender. Quando o consumidor aprende a fazer escolhas melhores, a demanda muda e, eventualmente, a indústria muda. É nessa parte em que hoje me vejo atuando.
Porque os meus valores pessoais passaram a conflitar com os da empresa e não me realizava mais com aquele tipo de trabalho. Mas essa foi uma decisão muito difícil, que levou anos até ser concretizada a ponto de abalar minha saúde mental.